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Sobre beber para esquecer: é normal sofrer de amor?

Drunk young adult male holding glass of alcohol, studio shot.

Popularizou-se a ideia de que “o amor é uma dor” e o único remédio para tal é a bebida. Dar “PT” [perda total], ficar de ressaca e não lembrar sequer do que aconteceu na noite anterior são algumas das metas de quem embarcou na sofrência por causa de uma relação que não deu certo.

Mas a romantização do sofrimento, incentivada nas músicas que ouvimos e hábitos que adotamos, é um ponto de alerta do psicólogo Pedro Dias, da rede AfroSaúde. Em conversa para o blog, ele destacou aspectos importantes dessa relação amor versus sofrimento versus álcool.

“O amor potencializa tanto o que ama quanto o amado. Quando se ama, a vida fica mais potente. E, para amar, é preciso que a gente deixe de ficar concentrado em si mesmo para encontrar com o outro”, antecipa.

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Sobre sofrer por amor

Se você está sofrendo, não é de amor. (…) Não verifico a possibilidade de alguém sofrer efetivamente de amor. Quando você encontra com o outro no amor, vai no sentido da construção. Quando se vai na lógica de encontrar o amor no outro, é um passo delicado, porque subentende-se que o outro é que sabe o que é o amor. O risco de cair no processo de dependência é altíssimo.

Falar de sofrência implica em erotização do sofrimento, e não do amor como tal. É uma erotização que tem como objetivo o fim da relação para que se possa sofrer — não é a relação como tal, a experiência do que é estar com o outro, o laço que se constrói.”

Sobre beber para esquecer o amor

“A primeira produção de álcool ocorreu há 8 mil anos a.C., há 10.022 anos. É notado o uso do álcool em momentos de celebrar, no processo cerimonial. Quando vamos para a atualidade, da erotização do sofrimento, o consumo do álcool faz sentido porque induz à perda dos sentidos. ‘Vou beber para perder os sentidos e não sentir a ausência do outro’.

O que se evita sentir quando apostamos no consumo exacerbado do álcool? O luto, que é fundamental para que se possa permitir que o outro possa ir, no sentido de ele não mais fazer parte.

É preciso que esse sentimento vá se desatando para, efetivamente, permitir que o outro possa se apresentar na memória, sentir a experiência do que é não estar mais com o outro.” 

Sobre os sinais da dependência alcoólica

“O álcool não é a melhor ferramenta para tratar a angústia, mas é a ferramenta mais antiga na sociedade humana. No século 19, o consumo do álcool era maior que na atualidade, mas existe uma certa compreensão do porquê era tão elevado — revolução industrial, jornadas exaustivas de trabalho.

Hoje, mudou a relação do sujeito com o consumo da bebida. Não é encontrar com o outro para celebrar algo ou eventualmente tratar a angústia, mas é beber até perder os sentidos, até perder a conexão com a realidade. Não é só o contexto do tratamento da angústia, mas de uma perda dos sentidos mesmo.

E o que se menos quer é que as pessoas sintam, pensem, façam o mínimo de reflexão. Porque, se houver, acaba deslocando para uma inflexão — e tudo que se espera no contexto de uma sociedade capitalista como a nossa é que não haja inflexão, mas que se mantenha uma linha regular. 

Os romanos davam bebidas para os povos que eles queriam dominar. Quando passava a noite da bebedeira, eles invadiam o território. Hoje não é mais só feito por uma grande corporação ou por um Estado, mas é um valor social. Ganha-se valor social beber até perder os sentidos. É aí que entra o processo mais difícil de ser combatido.” 

Sobre como lidar com o sofrimento e o álcool

“A gente vive o momento de construção do não sentir. O que as pessoas esperam, em geral, é que o outro não seja ou não leve para a relação nada que as contrarie. ‘Quero que você me dê tudo o que eu possa ter, mas eu não vou te dar nada’. E ao primeiro sinal de contrariedade, ‘eu’ simplesmente bloqueio. 

O álcool entra nessa função com muita potência. Qual a forma mais eficiente conhecida pelo ser humano de tratar o sentir? Porque terminar uma relação é ter que sentir tudo de novo, o bom e o ruim, e é difícil passar por isso.

O ideal é pensar qual função o álcool está cumprindo nesse processo de término. É possível beber ao fim de um relacionamento, não só para comemorar, mas para lidar com isso. Se não consegue falar disso e quer beber, vá lá. Mas se começa a beber com regularidade e isso começa a impactar o modo de se relacionar com o outro, só lidar com a realidade a partir do álcool, é porque ela ficou insuportável.

O ideal é pensar nesse contexto: qual a função da bebida na sua relação com o outro. Mas é difícil dizer no sentido da quantidade.” 

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